quinta-feira, abril 27, 2006

O pereba

Texto de Deco Bancillon
Imagem de Victor Martins




Nunca fui bom de bola. Ao contrário, sou o que podem chamar de “o pereba”. Quando estava na oitava série jogava futebol no time da escola. Naquele ano, joguei a final do campeonato entre escolas. Cenário perfeito para levar a família e torcer. Evento único. Para um único jogo, pedi a minha avó que me comprasse meião e caneleiras. Pois era determinante que o meu desempenho fosse digno de um profissional.


Minha equipe perdia por consideráveis 2x0. A torcida do meu colégio tentava empurrar o time para uma possível reação. Nada feito. O time adversário marcou mais um gol. E mais outro. Dois belos gols. Enfim, já eram quatro gols. O time do colégio Rio Branco, do qual eu fazia parte, perdia por 4x0 para o time do La Salle. E em casa. Eu, que nunca tive físico de esportista aquecia o banco de reservas. Sempre gostei de repetir o prato na hora do almoço. Estava lá, calado e quieto.


Impulsionados pelos meus amigos e familiares que entoavam o meu nome, a torcida fez coro para gritar “DECO...DECO...DECO.” Era fato. Não havia mais saída. Nem que eu fosse o Ronaldinho ou Pelé. Nada daria jeito naquela situação. Mas, atendendo as ordens do professor, me aqueci e entrei em campo. Era o defensor. O tradicional jogo de salão. Quatro na linha e um no gol.


Poucos minutos após a minha entrada, um garoto, que tinha a metade do meu tamanho e peso ultrapassou a linha do meio campo e parecia querer colecionar dribles. Em pouco tempo ele driblou um, dois e três jogadores do meu time. Até o goleiro entrou na roda. E para surpresa de muitos eu era o último homem a ser driblado. Estava ante ao guarda redes. O garoto chutou a bola e eu fui em direção a ela. Meu pé direito tocou a superfície do capotão e por meio segundo pensei: “serei o salvador do jogo”.


Num baque, o meu mundo desabou. Eu não só tinha falhado na tentativa de livrar nossas redes como tinha marcado um belo gol. Só que contra. Recebi vaias e gozações pelo resto do ano. Fui lembrado sempre como o cara que marcou o gol contra na humilhante partida de fim de campeonato.


Poucas vezes mais resolvi me aventurar pelos campos gramados e marcados a pó giz. Mesmo porquê, alguns meses após a vergonhosa atuação, resolvi jogar golzinho de rua. Dessas peladas que jogam três de um lado contra três de outro. Nessa nova empreitada quebrei minha canela ao meio. Fiquei pouco mais de 60 dias de gesso. E era dos grandes. Daqueles que sobem até a cocha da perna. Mas isso já é história para uma outra conversa...

terça-feira, abril 25, 2006

Paixão por futebol

Texto e imagem de Victor Martins



Puta que pariu, meu time! Como é que pode? Depois de tantos anos sem título. Depois de tantos anos de futebol ruim. Não sei nem como fui torcer pra esse time. Na verdade não sei nem como pude me casar com aquela mulher.

Que merda! Ela já deve estar na porta de casa ensaiando um monte de palavrões pra me xingar. Já até posso imaginar: “Muito bonito Seu João! Bêbado de novo. É só teu time jogar que você se embriaga”.

Tudo bem que ela se casou comigo e deve me amar, mas é uma mentirosa quando me chama de muito bonito, no máximo bonitinho. Agora, bêbado de novo, quando ainda estou bêbado é sacanagem. Parece que nem repara em mim. O pior é quando reclama que é só meu time jogar para me embriagar. É claro que fico bêbado, com um time desses como é que assiste ao jogo sem beber.

Acho que me lembrei por que torço pra esse time, ele é tão ruim que fica fácil de achar desculpa para beber. Isso também me lembra porque me casei com essa mulher, era dia de jogo do Botafogo.

quinta-feira, abril 20, 2006

Retalhos antropológicos dos Umabarauma

Fotografia de Victor Martins
Tema: Umabarauma - Jorge Ben




segunda-feira, abril 17, 2006

Pensamentos sobre salário

Crônica e montagem de Victor Martins

Estou sempre no mínimo. Paciência mínima, amizade mínima, amores pequenos e tempo curto. A corrida mais longa que eu poderia disputar seria de um metro raso.

Recebo 13 salários mínimos em um ano. Acho que o que pagam no ano deve ser salário máximo, como não posso receber anualmente por que minhas contas são mensais, dividem meu salário máximo em 13 mínimos.

Mas se eu parar pra pensar, minhas contas são máximas. Então, estou enganado quando digo que estou sempre no mínimo. O pagamento do cartão de crédito é que está no mínimo, por que não consigo pagar o máximo.

Mas o tal mínimo do cartão de crédito funciona igual ao meu salário, o máximo é dividido em vários mínimos. Com a diferença que deixarei a conta de cartão de crédito de herança para meus filhos.

Será que salário mínimo é teto salarial de pobre? De repente deve ser. Ultimamente meu dinheiro anda tão mínimo que para enxerga-lo no extrato bancário é preciso de lupa. E pior é que querem acabar com o 13º. Quem me dera receber “mensalão”. Pelo jeito que as coisas caminham, vou ver salário só em museu.

quinta-feira, abril 13, 2006

Exposição fotográfica no UniCEUB


Nem Preto nem Branco, só Rosa

Texto e imagem de Victor Martins


É preto e branco, não rosa!
Antes, Rosa era nome de uma planta.

Aqui, ela não é Rosa!
É só Preto, é só Branco.

Que pena! Não enxergam a Rosa.
Só Preto, só Branco.

Existe Rosa amarela, branca e vermelha.
Mas antes de ter uma cor, é apenas Rosa.
Nem Preto, nem Branco.

terça-feira, abril 11, 2006

Funk chique

Texto de Lucas Nasser
Imagem de Victor Martins
No dicionário Aurélio, o significado da palavra chique é: “Elegante ao trajar, de bom gosto”. O que definitivamente não é o caso do Funk. Não pelo gosto, claro, cada um tem o seu, mas sim pelo perfil. Música criada nos subúrbios do Rio de Janeiro, ligada as favelas, massacrada pela mídia de gosto duvidoso.

Essa mesma música precisava de um toque de classe para entrar na vida dos jovens de classe média. Deram ao Funk o status de chique, criou-se o Funk Chique. O Funk da Rocinha, Borel, CDD, é o mesmo das boates e festas de Brasília, mas é claro, o Funk daqui é chique, ou você acha que as “cocotas” da classe média se misturariam com as “cachorras” da periferia, onde o Funk é um só.

Ainda bem que na última festa avisaram através de panfletagem que o Funk era chique. Imagine só, se chegássemos na festa e tivéssemos ao invés de Whysk com Red Bull, aquela bebida destilada russa que se toma com “suquinhos” de frutas em pó. Coisa de “ralé” né ? Era coisa de “ralé”, assim como o Funk começou nas periferias, o “suco gummy” também saiu da juventude de lá e se tornou modinha em Brasília.

Forró é música nordestina, vem do inglês “for all”, que significa para todos, mas quem te falou que o jovem de classe média quer se misturar com todos, ele quer o Funk (chique). O boy quer falar “já é”, “tô boladão”, “qualé”, curtir a Tati quebra barraco, mas garantir também o necessário Apartheid social, uma estranha relação em que as duas partes lucram. O jovem classe média, por estar tirando onda de “maloqueiro” pop, e o favelado, que por sua vez não quer nem saber e explora a idiotice da elite jovem como ninguém.
*O Pauta que pariu é um espaço aberto para comunicação. Os textos veículados aqui nem sempre exprimem a opinião do blog

segunda-feira, abril 10, 2006

Meninos de Santo Antônio

Texto e imagem de Alexandra Martins

Na cidade de Santo Antônio do Descoberto (GO), a 48 quilômetros de Brasília, com R$ 300 reais as crianças podem comprar 150 sorvetes de três bolas e 375 picolés. Porém, com a mesma quantia, também podem comprar uma arma de calibre 38 na Rua da Alegria, local de maior movimento noturno da cidade.
Os meninos de Santo Antônio são crianças com pouca perspectiva de vida. A cidade não lhes oferece oportunidade: grande parte deles estuda até a oitava série e se casam, outras entram no tráfico. “Quando o governo lhe dá as costas, os bandidos lhe dão as mãos” desabafa Maria Alice, professora de matemática da segunda série. Com o passar do tempo essas crianças passam a enxergar bandidos e traficantes como figuras a ser seguida.

Com cara de cidade do interior, a pequena cidade de Santo Antônio do Descoberto não se difere muito das grandes favelas do Rio de Janeiro onde, na mente dessas crianças, é visível uma troca de papéis entre mocinhos e bandidos. O Conselho Tutelar, órgão de proteção aos direitos das crianças e adolescentes, e os policiais tornam-se vilões e figuras temidas.

Denise da Silva, segurança municipal do Conselho Tutelar, explica que o órgão não é repressor e tem como objetivo orientar e incentivas crianças a permanecer no colégio. De acordo com Denise, elas envolvem-se com a droga por falta de lazer. A situação de pobreza soma se com a falta de atividades no colégio e na cidade e colabora para os traficantes chegarem mais próximos das crianças. Elas deparam com um tempo livre que se reduz a trabalhar para ajudar financeiramente em casa ou permanecer na rua sem qualquer atividade.
Jesus no céu e Sr. Adalberto na Terra
Engana-se quem imagina que os meninos de Santo Antônio não tem perspectiva de vida. Isso elas têm. Porém, quem lhe dá oportunidades e atenção, infelizmente, são personagens do tráfico.
No interior de Santo Antônio do Descoberto as crianças vivenciam outra realidade. Enquanto no centro o colégio é visto como uma obrigação, no interior elas têm uma relação de dependência. Integrantes da Escola Caminho da Luz oferecem comida, tratamento médico e brincadeiras. O colégio abre espaço para mães dos alunos trabalharem como voluntária na cozinha, costura, pintura ou berçário. Em compensação, elas recebem todos os benefícios que a escola oferece e cesta básica.

A escola Caminho da Luz é um exemplo para a cidade. Tal mérito não se deve aos incentivos do governo para financiamento de infra-estrutura. Sr. Adalberto, como é conhecido pelas crianças, é uma pessoa muito tranqüila e esperançosa que há 10 anos colabora para o crescimento do colégio. Sua última boa ação foi aumentar a biblioteca e incluir espaços para apresentação de vídeo e uso de computadores. Quem trabalha na escola acredita que Sr. Adalberto é um homem santo pois veio dele o incentivo para o colégio torna-se o que é hoje.
Mesmo com todos esses benefícios, os meninos do interior acreditam que os do centro tem muito dinheiro. Parece que Santo Antônio do Descoberto não está longe dos contrastes brasileiros em que pobres e “ricos” moram tão próximos.

sexta-feira, abril 07, 2006

Café com formigas

Poesia de Rossini Albernaz Neto*
Imagem de Victor Martins


Apago o mundo...
Olhando as formigas
Afogadas nos restos de um copo de café
Banal!
Adoçar o mundo
As ultimas conseqüências
Tão humano...
Aproveito o eclipse do mundo...
Acendo um cigarro
Mergulho na disputa das formigas
Tão comum!
Alguém ao lado reacende o horizonte
Respondo...ainda com a mente desligada
Protocolar....
Jogo o cigarro fora....
Volta o mundo...vou entrando
De relance uma derradeira olhada...
As formigas continuam afogando
tão doce....Tão humano

* Rossini é formado em Jornalismo e Engenharia Naval pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hoje trabalha como Analista de Finanças e Controle no Tesouro Nacional

quinta-feira, abril 06, 2006

Vaga de emprego

surdo cego mudo

Temporário para sempre

Texto e montagem de Victor Martins


A CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira), furta do cidadão brasileiro, alíquota de 0,20% (lei 9.311/96 – art. 7º). Em todo extrato bancário existem débitos sobre o nome de CPMF, que apesar de ter “provisório” no nome, provavelmente será cobrado até o fim dos dias. Todo cidadão de baixa ou alta renda sofre essa cobrança.

Sinto-me lesado como cidadão brasileiro, não conheço um único hospital público que atenda de forma descente. A CPMF foi criada para destinar recursos a saúde, atualmente não é vinculada a nada. A rede hospitalar pública sobrevive por acaso, ou por teimosia, ou por algo inexplicável, da mesma forma como é possível passar um mês com salário mínimo. O “jeitinho brasileiro” ou é culpado pela falência do sistema de saúde, ou é responsável pela sobrevivência dos pacientes. Doente do mal que aflige o país, os hospitais “mantidos” pelo Estado são Babilônias, negligenciados, mostram a falta de vontade política e a cegueira do povo.
O descaso que o brasileiro sofre é antigo. O Brasil arrecada por volta de R$ 600 bilhões por ano, deste montante, somente R$ 6 bilhões são destinados a investimentos. As autoridades não têm competência para gastar esse dinheiro, prendem a verba que depois é convertida em superávit primário. A população não deve mais aceitar esse imposto, a população deve negar-se a pagar esse imposto “provisório” (desde 1996). Faça-se uso dos meios democráticos: judiciário, executivo, manifestações. Em quanto existirem disparates deste tipo no País – um imposto temporário para todo o sempre, criado sobre a desculpa de sanear a saúde só para engordar os cofres públicos – seremos um povo analfabeto, que morre de fome aos montes.

segunda-feira, abril 03, 2006

O Jornalista e um Certo Jesus

Texto e imgem de Victor Martins
(texto para páscoa)


Vida de jornalista é contar letras, virgulas, palavras e fatos. Como pretenso jornalista também preciso assumir essa atribuição. Jesus da Vila, não morava em vila alguma, não morava em casa alguma, se abrigava em um barraco na extinta invasão do Vai Quem Quer em Taguatinga – lugar que na verdade ninguém queria ir. Nasceu na páscoa. Nunca comemorou aniversário, coelho ou chocolates. Gostava do final do ano e das comemorações natalinas, sempre providenciava uma ceia para família.

Um jornalista precisa dizer em uma notícia: O que, quando, onde, como e por que. A pretensão de seguir essa profissão me leva a escrever as outras perguntas que ainda faltam neste texto. E falta relatar que Jesus, o da Vila, tinha doze irmãos. Os mais novos ainda acreditavam no Natal (não em Papai Noel), e queriam comemorar o nascimento do outro Jesus, o de Nazaré.

Jesus era boa gente, ajudava ao próximo, acreditava em Deus e pregava aquilo que acreditava. Peço desculpas ao leitor se fiz confusão em vossas cabeças com “tantos Jesus”. Mas cada um, por meios diferentes, realizou grandes feitos. Vamos contar a história só do Jesus da Vila.

Sem falar dos méritos do rapaz, voltemos a antes do inicio da história, quando o da Vila queria fazer uma ceia de natal para os irmãos. Queria convencer a alegria de ir ao lugar onde ninguém queria ir. Difícil foi convencê-la, por isso Jesus fez o que alguns excluídos têm de fazer para sobreviver – “meteu um assalto", roubou vinho e pão. Assim, foi delatado por um “ex-amigo”, o qual se vendeu ao dono da padaria, patrão da polícia, e essa última – a polícia – escreveu o resto da história: Prisão, tortura, humilhação e morte.
Ironia é um Jesus morrer na noite qual o outro havia nascido. Semelhante ao nazareno este também entrou para História, essa história. Além do mais, esse Jesus também teve discípulos: Pedro, assassino e traficante; João assaltante e estuprador, e para não ficar falando de todos, lembro o último; Judas, professor na rede pública de ensino, o único crente no natal. O pior é o jornalista ter de contar isso e só ter direito a uma notinha.

Colaboradores